sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Michael O’Leary tem um sonho: voar "à borla"

“Nós, na verdade, só precisamos de um piloto. Vamos ‘acabar’ com o segundo piloto e deixem o computador voar o avião”, afirma O’Leary. Então e se o piloto tiver algum problema? Neste caso uma das hospedeiras, que teria formação na aterrissagem do avião, assumiria os comandos. “Se o piloto tem uma emergência, ele toca a campainha, chama a hospedeira, e ela assume o comando do avião”. Simples. Conheça melhor o homem que transformou a Ryanair na primeira companhia aérea européia a transportar mais de sete milhões de passageiros num mês. E o que pretende mudar, como voar apenas com um piloto, ou colocar os passageiros de pé.
Michael O’Leary, CEO da Ryanair, nasceu em Março de 1960, filho de um empresário cujos negócios incluíram o têxtil, o processamento de carne ou a criação de coelhos, O’Leary frequentou um prestigiado colégio interno irlandês e formou-se em gestão de empresas na Trinity College, de Dublin. Não se lembra da primeira vez que voou mas assegura que “não foi uma experiência fantástica. Não foi como perder a virgindade”, garante, numa entrevista concedida à Bloomberg. Em 1987, assumiu o cargo de assessor financeiro de Tony Ryan (falecido em 2007), um empresário que tinha feito fortuna num negócio de leasing de aviões e tinha acabado de iniciar a sua companhia aérea, com sede em Dublin. O’Leary aceitou trabalhar sem salário base, mas apenas com percentagens dos ganhos da empresa, caso os houvesse. Esta estratégia acabou por fazer dele um dos homens mais ricos da Irlanda mas, durante os primeiros anos, a Ryanair passou por várias dificuldades. Ao ponto de o próprio O’Leary ter sugerido, por várias vezes, que se encerrasse a empresa. Os seus conselhos não foram seguidos e, em 1994, chegou a CEO da companhia aérea. Foi nessa altura que Michael O’Leary decidiu deixar de evitar as luzes da ribalta e fazê-lo de forma a que não passasse despercebido. Olhava para Richard Branson (CEO da Virgin Atlantic Airways) e para Herb Kelleher (CEO da Southwest Airlines, na altura) e via que aquilo que tinham em comum era que as suas excentricidades não só geravam muito publicidade de graça, como poupavam às suas empresas gastos que, em condições normais, teriam com publicidade. Foi então que decidiu tornar-se num homem comum que primava pela avareza e pela pouca amabilidade que, quando aplicadas ao CEO da Ryanair se traduziam num homem disposto a providenciar a todas as pessoas um voo barato, ainda que ligeiramente desconfortável. Essa é, de resto a idéia base do seu negócio. Para O’Leary, os passageiros de voos comerciais não são criaturas delicadas cujo regresso está dependente de almofadas, cobertores e chá grátis. Para ele são “bestas” dispostas a suportar o desconforto e a indignidade em troca de duas coisas apenas: chegar ao seu destino por menos dinheiro, e chegar com a sua mala. E não é só nos aviões que os passageiros são tratados, desnecessariamente, como “reis”. “Os aeroportos são locais estupidamente complicados, apenas porque temos esta transação absolutamente ridícula de ficar com a mala dos passageiros à partida, apenas para lhes dar a mesma mala à chegada”, defende O’Leary, lançando de seguida o repto: “Vamos acabar com esta porcaria! Você leva a sua mala consigo. Trá-la até ao avião. E arruma-a”. Na cabeça do CEO da Ryanair, este sistema de gestão das bagagens é apenas um vestígio de uma Era longínqua, vindo dos anos que separaram as duas guerras mundiais, em que as únicas pessoas que viajavam de avião eram os “Roosevelts” e os “Vanderbilts”. Hoje, graças a O’Leary também, toda a gente voa e as pessoas não precisam de ser “apaparicadas”. Muito pelo contrário.
Apenas um piloto?
Em Julho de 2002, passageiros estavam a embarcar num avião da Ryanair, em Londres, com destino a Dublin, quando o piloto anunciou que o pessoal das bagagens estava com falta de pessoal. Previa-se assim um atraso iminente, a não ser que os passageiros se voluntariassem para carregar as malas, anunciou o comandante. Pouco depois, meia dúzia de passageiros desceu dos seus (apertados) lugares e foram carregar as malas para o porão do avião. Michael O’Leary tem esta capacidade de pôr em prática as suas idéias, por mais tresloucadas que elas possam parecer à primeira vista – e normalmente parecem. As últimas que merecem destaque não são menos polêmicas e todas têm um objetivo: tornar o transporte aéreo de passageiros cada vez mais barato, até a um ponto em que custará zero e as companhias vivam apenas de receitas auxiliares (comissões de bagagem extra, vendas nos aparelhos, seguros, hotéis, alugueis de carros, etc). As últimas “visões” de Michael O’Leary passam por ter apenas um piloto em vez de dois, cobrar as idas às casas de banho dos aviões ou criar lugares em pé, nas traseiras dos aviões. Quanto aos pilotos, O’Leary não tem dúvidas. “Nós, na verdade, só precisamos de um piloto. Vamos ‘acabar’ com o segundo piloto e deixem o computador voar o avião”, afirma O’Leary. Então e se o piloto tiver algum problema? Neste caso uma das hospedeiras, que teria formação na aterrissagem do avião, assumiria os comandos. “Se o piloto tem uma emergência, ele toca a campainha, chama a hospedeira, e ela assume o comando do avião”. Simples. Para Patrick Smith, piloto de longos anos, esta ideia é “para lá de absurda”, uma vez que a ideia de que os planos voam sozinhos é errada. “Até em operações de rotina, é importante ter uma segunda pessoa na cabine”, acrescenta Smith. Nem os casos de turbulência afastam a idéia da cabeça de O’Leary. “Sim, alguém pode se ferir (em caso de turbulência)”, admite. “Mas faremos aquilo que sempre fazemos: ‘Senhoras e senhores’ -- BING BONG -- ‘estamos a lidar com alguma turbulência. Por favor agarrem-se bem aos corrimões’”, esclarece O’Leary. Polêmico ou não. Excêntrico ou não. O que é fato é que O’Leary transformou a Ryanair na mais bem sucedida companhia aérea dos últimos tempos. Numa altura em que a indústria tem lutado contra uma crise atrás da outra – desde o 11de Setembro à erupção do vulcão islandês, sempre com o fantasma da crise econômica a pairar – a Ryanair cresceu de uma pequena companhia irlandesa regional para uma potência que emprega 7.000 pessoas, tem 1.100 rotas, para 155 aeroportos, em 26 países. Na última década, um período em que o setor das companhias aéreas perdeu em conjunto 50 mil milhões de dólares (39 mil milhões de euros) a Ryanair apresentou lucros em nove dos 10 anos. No ano fiscal que terminou em Março, apresentou lucros de 431 milhões de dólares (336 milhões de euros).
  • Jornal de negócios. Pt
03-09-2010

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